Imagine o mundo há uns 500 anos. O Brasil havia sido recém “descoberto” (ou invadido?) pelos Portugueses. Por aqui, as diferentes nações indígenas praticavam uma ciência cheia de empirismo, onde os seres vivos eram testados e utilizados para os mais diferentes fins.
Só aqui no Brasil eram centenas de grupos diferentes, com diversas variações linguísticas. Apenas pensando no contexto das terras brasileiras de anos atrás você já pode imaginar que cada grupo de pessoas dava nomes diferentes aos diversos seres vivos com que tinham contato. Esses nomes possuíam ligações intrínsecas com a cultura e a língua de cada povo.
Agora, expanda um pouco mais sua imaginação. Pense na ciência que estava sendo praticada em outros cantos do planeta nesta mesma época. Na Europa, um dos principais centros de conhecimento erudito do período, os cientistas estavam em diferentes nações, falando diferentes línguas.
Para complicar ainda mais, a comunicação de séculos atrás era bastante precária. Dessa maneira, a troca de informações entre os cientistas era lenta e imprecisa.
Nesse cenário você pode imaginar que muitas foram as vezes que dois ou mais cientistas estudaram o mesmo ser vivo ao mesmo tempo, nomeando-o de maneiras diferentes. Imagine a confusão e o caos que isso gerou por anos na literatura científica!
Ainda hoje, os seres vivos recebem diferentes nomes populares que variam não só de língua para língua, mas também em relação a diferentes regiões que falam a mesma língua. Um cachorro, por exemplo, poderia ser chamado no Brasil de cão, cadela, vira-latas e até pela mais recente gíria da internet: “catioro”. Se pensarmos em outras línguas, podemos pensa em dog (inglês), perro (espanhol), hund (alemão) ou chien (francês).
Conseguiu entender a necessidade de padronizar a nomenclatura dos seres vivos para o meio científico?
Ao observar essa necessidade, o cientista sueco Carl von Linné (1707-1778), mais conhecido como Lineu (em português), publicou trabalhos onde estabelecia um método para classificar os seres vivos. Os trabalhos de Lineu foram (e continuam sendo) essenciais para diminuir esses ruídos e erros na hora de classificar os seres vivos.
Dessa maneira, Lineu revolucionou a ciência criando um sistema de classificação, onde agrupava os seres vivos em categorias chamadas de táxons. Além disso, o cientista estabeleceu um sistema de nomenclatura chamado de Nomenclatura Binomial.
Nomenclatura Binomial
Como o próprio nome já diz, o sistema de nomenclatura binomial padroniza a instituição de um nome formado por duas palavras para designar um ser vivo. A partir da publicação dos trabalhos de Lineu, os nomes científicos dados aos seres vivos foram padronizados mundialmente.
Sendo assim, o cachorro que utilizamos como exemplo é chamado de Canis familiaris em qualquer idioma e em qualquer nação. Mesmo que ele tenha inúmeros nomes populares, se em um artigo científico em alemão você ler o termo “Canis familiaris” você vai saber que estão falando alguma coisa sobre os catioros, opa, cães.
Dessa maneira, para que a classificação e a nomenclatura estejam uniformizadas no meio científico, Lineu estabeleceu algumas regras que foram aperfeiçoadas com o passar do tempo.
– Língua padrão: Todos os nomes científicos devem ser escritos em latim ou latinizados. O latim foi escolhido por Lineu por ser uma língua “morta”, ou seja, que não era mais falada pela população em geral. Dessa maneira, o latim está pouco sujeito a modificações, como as línguas faladas (oi, catioro).
Porém, o latim é uma língua-mãe, que deu origem a vários idiomas que falamos hoje, como o espanhol, o francês e o português. Por isso você talvez ache alguns nomes científicos bastante esquisitos, enquanto outros pareçam mais familiares, pois possuem cognatos.
Dessa maneira, quando os cientistas vão dar nome a um ser vivo, normalmente utilizam palavras em latim que descrevem alguma característica desse ser vivo. Por exemplo: Homo sapiens, que significa “homem sábio” (ou nem tanto).
aso não haja em latim uma palavra que corresponda à característica que se deseje destacar ou homenagear, pode-se latinizar a palavra. Para isso são acrescentadas às palavras radicais latinos. Para você entender melhor, observe o nome de um fungo descoberto em Santa Catarina em 2013 pela bióloga Valéria Ferreira Lopes:
Phylloporia clariceae
O epíteto “clariceae” é uma homenagem a uma das minhas professoras (~favoritas~) da graduação, a Doutora Clarice Loguércio Leite. Veja que o nome “Clarice” foi latinizado para ser utilizado no nome científico.
– Nome destacado no texto: Como o nome científico é escrito em latim, ele deve SEMPRE estar destacado no texto. Para isso, há duas formas possíveis:
Phylloporia clariceae
Destaque com modo itálico.
Phylloporia clariceae
Destaque sublinhado.
– Binomial: O nome científico de um ser vivo sempre é composto por dois nomes. O primeiro nome se refere ao gênero ao qual pertence a espécie. A onça pintada (Panthera onca) e o leão (Panthera leo), por exemplo, possuem o mesmo primeiro nome. Isso indica que fazem parte do mesmo gênero: Panthera.
O segundo nome é o epíteto específico. Esse segundo nome pode até ser o mesmo para outras espécies. Porém, a combinação dos dois nomes é única, não pode se repetir para mais de uma espécie.
– Iniciais maiúsculas e minúsculas: No nome científico, o primeiro termo, que se refere ao gênero, deve ser sempre com a letra inicial maiúscula. Já o epíteto específico, deve começar com letra minúscula. A única exceção a esta regra é quando o segundo termo do nome científico homenageia alguém. Nesse caso, ele pode começar com letra maiúscula.
Além disso, todos os termos que indicam as categorias de Gênero até Reino devem começar com letra maiúscula.
– Terceiro nome na nomenclatura binomial: algumas vezes pode haver um terceiro nome compondo a nomenclatura científica de uma espécie. Nesses casos, esse terceiro nome indica uma subespécie.
sso ocorre quando populações de uma mesma espécie se encontram isoladas geograficamente, fazendo com que acumulem algumas diferenças ao longo das gerações. Esse evento pode, inclusive, gerar novas espécies.
Porém, quando esse acúmulo ainda não é suficiente para que consideremos esses seres vivos de espécies diferentes, damos a elas um terceiro nome específico. Por exemplo: Crotalus terrificus terrificus (cascavel brasileira) e Crotalus terrificus durissus (cascavel da Venezuela e da Colômbia).
– Nome do(a) cientista e data: Muitas vezes, o nome científico da espécie pode também vir acompanhado do nome do(a) cientista que a descreveu e da data em que foi descrita. Nesses casos, após o nome da espécie, segue-se o nome do(a) cientista e logo após a data, que deve estar entre parênteses ou após uma vírgula. Veja o exemplo:
Trypanossoma cruzi Chagas, 1909.
– sp ou spp: A sigla sp é uma abreviação de “species” (espécie em inglês) e spp se refere ao plural. Quando a encontramos após o nome de um gênero significa que o(a) autor(a) do texto está se referindo à várias ou todas as espécies pertencentes àquele gênero. Usamos essa abreviação quando o nome da espécie não pode ser explicitado ou não convém para o contexto do texto. Por exemplo:
“Na coleta realizada no Morro do Cambirela, em Palhoça – SC, foram coletados vários espécimes identificados como Drosophila spp.”
Note que na frase acima a autora diz que coletou vários espécimes de mosquinhas da fruta e que as identificou como pertencentes ao gênero Drosophila. Porém, ela pode não ter conseguido identificar as espécies ou não interessa naquele momento do texto especificar as espécies. Por isso usou spp para dizer que pode ser qualquer espécie desse gênero.
Nomes válidos
O trabalho de Lineu foi tão importante que além de seu método ser utilizado até hoje, a data de seu lançamento é um marco para validar a nomenclatura científica. Isso quer dizer que somente são consideradas como classificação e nomenclaturas válidas, aquelas que foram publicadas após o trabalho de Lineu e que seguem suas regras.
Sendo assim, todos os nomes científicos criados antes de Lineu não são mais considerados como válidos nas publicações científicas.
Por conta de dificuldades de comunicação, por problemas na descrição ou ainda quando a espécie apresenta características muito diferentes ao longo de sua vida, pode haver erros na descrição e “batismo” de uma espécie. Muitas vezes uma espécie pode ser descrita mais de uma vez e receber nomes diferentes.
Hoje com a tecnologia que facilita a comunicação entre os cientistas e os bancos de espécies facilmente acessados pela internet, é raro acontecer uma nomeação duplicada. Porém, ainda pode ocorrer. Para evitar essas confusões, ao publicar seu artigo sobre a nova espécie em uma revista científica, o(a) cientista deve fazer uma descrição minuciosa do ser vivo. Além disso, é aconselhável que espécimes sejam comparados com outros já existentes em museus.
Mas, se ainda assim houver duplicatas, há uma regra que diz que o nome e a descrição mais antigos são os válidos. Os posteriores são considerados como sinônimos.