O primeiro passo para derrotar um inimigo é identificá-lo, aprender como ele se comporta e tentar prever qual será seu próximo passo.
Mas o que acontece se, no meio da batalha, o inimigo se transforma e as armas que preparamos contra ele não funcionam mais?
Essa é uma das perguntas feita pelos cientistas que trabalham a toda velocidade para encontrar uma vacina ou tratamento que possa controlar a pandemia do novo coronavírus.
Os pesquisadores já conhecem o genoma do Sars-CoV-2, o vírus por trás da doença covid-19. Isso é um avanço, mas e se você começar a perceber repentinamente que o vírus está sofrendo uma mutação?
Isso o tornaria mais perigoso para os seres humanos?
A palavra mutação parece dramática, mas na verdade faz parte da rotina de vírus formados por cadeias de ácido ribonucleico (RNA), que carregam as informações genéticas do vírus.
“A mutação é um aspecto da vida de um vírus de RNA (como o coronavírus)”, escreveu o microbiologista Nathan Grubaugh, professor de epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Yale, em Nova York (EUA), em um artigo recente da revista científica Nature.
À medida que um vírus se reproduz fazendo cópias de si mesmo, gera “erros” em seu genoma que são transferidos para futuras cópias do vírus.
Os vírus têm um RNA “propenso a erros”, explica Grubaugh, por isso acumulam mutações em cada ciclo de cópia.
O especialista, no entanto, explica que a maioria dessas mutações afeta negativamente algumas funções do vírus e acaba removida pela seleção natural.
“A mutação é uma característica dos vírus”, diz Grubaugh. Segundo ele, o fenômeno não é motivo de preocupação durante um surto de doença.
O coronavírus está em mutação?
“Sim, todos os vírus do RNA sofrem mutação, mas muito poucas dessas mutações trazem alguma vantagem ao vírus”, disse à BBC George Rutherford, professor de epidemiologia da Universidade da Califórnia, em San Francisco (EUA).
E está sofrendo mutações mais rapidamente do que outros vírus? “Ele sofre mutações na mesma velocidade, mais ou menos, do que outros vírus de RNA”, diz Rutherford.
No início de março, um estudo realizado em Wuhan, na China, com 103 pacientes infectados, indicou que o coronavírus havia se transformado em pelo menos duas novas cepas, uma mais agressiva e uma menos agressiva do que o coronavírus que estava se espalhando.
Esta pesquisa, no entanto, não convenceu vários cientistas.
Grubaugh, por exemplo, disse que as conclusões do estudo eram “pura especulação”, uma vez que as mudanças encontradas foram tão insignificantes que não puderam ser consideradas novas cepas.
Richard Neher, biólogo e médico da Universidade da Basileia, na Suíça, referiu-se à suposta descoberta de uma nova cepa mais agressiva como um “desvio estatístico”, relacionado à região em que os testes foram realizados.
Os autores do estudo, por sua vez, alertaram que suas pesquisas foram baseadas em informações “muito limitadas”.
Stanley Perlman, virologista da Universidade de Iowa (EUA), que atuou no comitê internacional que deu o nome ao coronavírus, disse ao jornal americano The Washington Post que o vírus ” não sofreu mutação significativa”.
Em entrevista à BBC News Mundo, Tarik Jasarevic, porta-voz da Organização Mundial da Saúde (OMS), afirmou que “até agora não temos evidências de nenhuma alteração no vírus”.
“Se o vírus não mudar, é mais fácil encontrar soluções viáveis”, diz Jasarevic, da OMS.
Um vírus estável, como o Sars-CoV-2 já demonstrou ser, permite que os cientistas entendam melhor o que estão enfrentando.
É útil, por exemplo, descobrir quanto tempo o vírus circula entre a população, explica Rutherford.
A estabilidade do Sars-CoV-2 também pode ser uma vantagem para o desenvolvimento de uma vacina.
Em um artigo da revista Science, Andrew Rambaut, um biólogo molecular evolutivo da Universidade de Edimburgo, na Escócia, explica que o Sars-CoV-2 acumula, em média, entre uma e duas mutações por mês.
“Esse ritmo é dois a quatro vezes menor do que o da gripe”, diz.
O vírus da gripe sofre mutações muito mais rapidamente, portanto é necessária uma nova vacina a cada ano. Por causa disso, o corpo humano não está mais imune à nova versão do vírus.
Peter Thielen, geneticista molecular da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, diz que de quatro a dez diferenças genéticas foram observadas entre as cepas que infectaram pessoas nos Estados Unidos e o vírus original que se espalhou em Wuhan, um número considerado baixo.
“Esse é um número relativamente baixo de mutações (para vírus) que passaram por um grande número de pessoas”, disse Thielen ao The Washington Post.
“Nesse ponto, a taxa de mutação do vírus indica que a vacina desenvolvida para a Sars-CoV-2 seria uma vacina única, em vez de uma nova vacina a cada ano, como a vacina contra a gripe”.
No Twitter, o biólogo especializado em vacinas Trevor Bedford calculou que, com base nas mutações ocasionais que o Sars-CoV-2 pode ter, o vírus “levaria alguns anos em vez de meses” para sofrer uma mutação suficiente para “inibir significativamente” o efeito de uma vacina.
Especialistas dizem acreditar que alcançar uma vacina eficaz contra covid-19 pode levar de um ano a 18 meses.
Fonte:https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52069729
em 28/03/2020